Consultor comenta sobre anulação e revogação genérica de atos administrativos na gestão pública
Atendendo solicitação do GIRO IPIAÚ, como sempre com toda presteza, o reconhecido Consultor em Gestão Pública. Dr. Moiseis Rocha Brito, falou sobre a anulação e revogação de atos administrativo de forma genérica que vem sendo praticados, principalmente pelos novos gestores municipais, trazendo de certa forma uma insegurança jurídica e intranquilidade para aqueles que são atingidos, em especial os servidores, em função dos efeitos dessa prática inesperada. Assim discorreu:
“A Administração Pública dispõe do poder de anular ou revogar a qualquer momento seus atos por razões de conveniência, oportunidade ou por reconhecer sua ilegalidade ou equivoco, fazendo seu uso de autotutela, consagrado pela Súmula 346 – “A Administração Pública pode declarar a nulidade dos seus próprios atos”, e Súmula 473 – “A Administração pode anular seus próprios atos quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência e oportunidade, respeitando os direitos adquiridos, ressalvada em todos os casos, a apreciação judicial” ambas do Supremo Tribunal Federal (STF).
Contudo, a anulação ou revogação de atos administrativos de efeitos concretos dependem de prévio e imprescindível Processo Administrativo, em que seja concedido aos possíveis prejudicados o amplo direito de defesa e do contraditório. Princípio este, elementar e consagrado pela Constituição Federal, conforme artigo 5º, inciso LV – “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ele inerentes”.
Isso não é de hoje, ao longo dos tempos temos verificado essa prática comum e corriqueira, com mais veemência verificado no início de novos mandatos por parte dos gestores públicos municipais, que de forma genérica, sem observarem as disposições legais, terminam por praticar essas aberrações jurídicas, ou seja, ao invés de trilharem o caminho do devido processo legal, iniciando-se com o prévio, competente e imprescindível Processo Administrativo, pelo contrário, expede-se os tais atos “sem fim – genérico” sem qualquer instrução, investigação e análise conclusiva, especifica e determinante oriunda do prévio e indispensável Processo Administrativo.
A autotutela outorgada à Administração Pública não é ilimitada, devendo esta, ser acionada e praticada com razoabilidade, preservando a segurança jurídica, a presunção de inocência e da boa-fé, elementos importantes que só poderão ser demonstrados e comprovados através do imprescindível, compete e prévio Processo Administrativo, assegurando a todos os possíveis prejudicados o amplo direito de defesa e do contraditório, de forma a estabelecer o devido processo legal.
São inúmeros os decisórios proferidos pelos Tribunais pátrios quer no âmbito administrativo ou judicial nesse sentido, apenas para exemplificar cita-se o julgamento do AI 857.812 MS, tendo como relator Ministro Marco Aurélio, devidamente publicado no DJe 076, de 24 de abril de 2013, em que deixou consignado que: “…a anulação de ato administrativo que repercuta no campo dos direitos individuais, somente pode ocorrer oportunizando‐se o direito de defesa, instaurando‐se Processo Administrativo”.
De igual forma, seguindo essa toada a Ministra Carmen Lúcia Antunes, no seu artigo publicado na Revista de Informação Legislativa, volume 34, nº 136, out/dez 1997, pág. 5 a 28, mencionou que: “…o Processo Administrativo democrático não é senão o encontro da segurança jurídica justa. Ela é uma das formas de concretização do princípio da legitimidade do poder, à medida em que se esclarecem e se afirmam os motivos das decisões administrativas”.
Ainda sobre a anulação e revogação de atos administrativos expedido por parte do gestor público que implica em possíveis prejuízo ao administrado, o Tribunal de Contas dos Municípios do Estado da Bahia, através da sua Assessoria Jurídica (AJU), consoante Processo nº. 16113e19 e Parecer nº 02171-19 (F.L.Q), assim posicionou-se: “cumpre-nos pontuar que a capacidade de autotutela inerente à Administração Pública, nas situações que envolvem interesses de particulares contrários ao desfazimento do ato, vem sendo mitigada pela doutrina e pela jurisprudência. Isto porque, não se admite a anulação dos atos, que, vale lembrar, gozam de presunção de legitimidade, sem conceder àqueles que serão atingidos pela decisão administrativa a oportunidade de defender, no curso do devido processo legal, a sua legitimidade. É um direito fundamental assegurado pelo art. 5º, inciso LV, da Constituição Federal…. Desta forma, sempre que um ato administrativo refletir na esfera jurídica do administrado, mesmo que este seja ilegítimo ou ilegal, a Administração Pública deve, inevitavelmente, permitir ao que amargará os efeitos da invalidação a oportunidade para se manifestar, sob o crivo do princípio do contraditório e do devido processo legal”.
O Egrégio Supremo Tribunal Federal (STF), em análise sobre a matéria ora em foco, fixou a seguinte tese de repercussão geral: “Ao Estado é facultada a revogação de atos que repute ilegalmente praticados; porém, se de tais atos já tiverem decorrido efeitos concretos, seu desfazimento deve ser precedido de regular Processo Administrativo”. (RE 594296).
Com foto nessa vertente, tiramos a valiosa lição do Mestre José dos Santos Carvalho Filho, na sua Obra “Direito Administrativo e Administração Pública”, 17ª edição, p. 27: “O Direito brasileiro já apresenta, a seu turno, hipótese de exigência de contraditório antes do desfazimento de atos. Exemplo elucidativo se encontra na Lei nº 8.666/93, que estabelece a exigência do contraditório antes do ato administrativo de desfazimento do processo de licitação. Inspira o dispositivo a oportunidade de manifestação dos interessados na manutenção da licitação e o exame das razões que conduzem a Administração a perpetrar o desfazimento”.
Isto posto, conclui-se que a Administração Pública, em razão do princípio da autotutela, pode sim a qualquer momento rever seus atos administrativos, podendo anula-los ou revoga-los, e vou mais além, pode até repará-los e corrigi-los na medida do possível. Assim sendo, quando tal anulação ou revogação repercutir diretamente sobre direitos individuais ou até mesmo atribuídos a terceiros de boa-fé, somente pode ocorrer se for oportunizado aos possíveis prejudicados o mais amplo direito de defesa e do contraditório, convergindo ao devido processo legal, instaurando‐se para isso, o prévio, imprescindível e competente Processo Administrativo, em respeito aos princípios basilares e fundamentais atribuídos à dignidade da pessoa humana, bem maior a ser protegido no regime democrático de direito assegurado e consagrado pela Constituição Federal.
Para anular ou revogar o ato administrativo que repercute sobre o direito individual do administrado ou de terceiro, primeiro a Administração Publica deve instruir o competente e prévio Processo Administrativo, concluindo, portanto, pela anulação, revogação ou reparação do ato, porém nunca primeiro anular ou revogar o ato para depois instruir o Processo Administrativo. Agindo dessa forma, a Administração Pública vai na contramão das regras e das disposições legais, ou seja, como se diz no ditado popular: “coloca-se o carro adiante do boi”. Praticando o inverso, quando primeiro deveria abrir e instruir o prévio, competente e imprescindível Processo Administrativo, de forma rasteira, como se de foice na mão, de uma só vez e sem qualquer critério legal, tenta aniquilar genericamente sem qualquer especificidade material todos os atos, sem conceder aos supostos prejudicados o mais amplo direito de defesa e do contraditório, inviabilizando o devido processo legal, torna-se um ato desastroso e inconcebível.
Isso não quer dizer, que não existe atos administrativos que não podem e não devem ser anulados ou revogados, de hipótese alguma, contudo, deve ser minuciosamente especificado e apurado em Processo Administrativo, mediante conclusão fundamentada e motivada. Convém ressaltar, que assim como qualquer ato para existir tem que ser precedido da razão de constituir-se sustentado pela própria razão, justificação e motivação, da mesma forma é exigido para sua anulação ou revogação, sem abrir mão de previamente conceder aos envolvidos o amplo direito de defesa e do contraditório, em obediência ao princípio do devido processo legal.
Nada na Administração Pública é por acaso, ocorre ao bel prazer do gestor, não há discricionariedade administrativa se antes de tudo não existir interesse público fundamentado na própria razão de existência sustentada e embasada nos princípios elementares norteadores da Administração Pública instituídos no art. 37 da Constituição Federal, a saber: legalidade – impessoalidade – moralidade – publicidade – eficiência.
O debate jurídico sempre é intenso quando atitudes dessa natureza ocorrem, entretanto, o mais recomendável e prudente, logicamente é instruir o prévio, competente e indispensável Processo Administrativo, concedendo aos possíveis prejudicados o mais amplo direito de defesa e do contraditório, em estrito cumprimento do devido processo legal.
Concluindo, frisamos que qualquer ato ilegal praticado pela Administração Pública, incluindo ai, o próprio ato genérico e unilateral expedido pelo gestor público visando anular ou revogar supostos atos irregulares instituídos pela própria Administração, deve respeitar os direitos adquiridos, inclusive ressalvando-se em todos os casos, a apreciação judicial, conforme dispõe a própria Súmula 473 do STF, ou seja, atribui-se ao administrado ou a terceiros atingidos a prerrogativa do direito de bater na porta do judiciário para anular a atrocidade praticada.
O ato pode até ser anulável ou revogável, porém, tem que ocorrer de forma legal, legítima em estrito cumprimento e atendimento aos princípios do amplo direito de defesa, do contraditório e do devido processo legal”.
Moiseis Rocha Brito
Graduado Direito, Administração e Teologia. Pós-graduado em Direito Público; Auditoria e Controladoria Interna; Metodologia do Ensino Superior; Direito do Trabalho e Previdenciário; Processo Civil e Práticas Previdenciárias.
Com Informações do Giro Ipiaú
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segunda-feira, fevereiro 08, 2021
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